TRATANDO DO BÁSICO

I. Introdução

1.1 Este texto tem como objetivo explicar como administramos a carteira do BHerman CIA (um clube de investimentos, uma estrutura muito similar a um fundo de investimento no Brasil) (“BHerman”). O texto não trata tanto do nosso estilo de investimento, mas sim de onde esse estilo nos leva. Uma explicação detalhada sobre nosso estilo principal você encontra em Deep Value Todo o Dia no Brasil.

1.2 Temos três tipos de leitores. Aqueles que conhecem muito sobre finanças (muitos deles sabem muito mais do que nós), os que têm pouco conhecimento sobre o assunto e os novatos. Se você conhece muito, desculpe, mas está no lugar errado. Por outro lado, se tem pouco conhecimento ou é um novato, continue lendo.

1.3 Aqui, abordaremos temas como classe de ativos, formação da carteira, métricas de valuation, administração de risco, tempo de manutenção de uma posição em carteira, due diligence e muito mais.  Todos esses tópicos serão abordados direta ou indiretamente abaixo[1]. Para sermos o mais claros possível, resumiremos nossas explicações em uma sentença curta, concluindo cada um dos tópicos abaixo.

II. Uma Holding que Atua nos Mercados de Capitais

2.1  Em primeiro lugar, o BHerman é uma holding que atua no mercado de capitais. Espere um minuto, isso não é óbvio? Se você é como um fundo de investimento, você necessariamente é uma holding que atua no mercado de capitais! Onde está a informação relevante aqui?

2.2 Dizer que o BHerman é uma holding que atua no mercado de capitais significa muita coisa. Primeiramente, dizemos de forma muito clara a classe de ativo na qual investimos. Investimos em ações de companhias abertas. Nenhum investimento em startups, commodities ou criptomoedas, por exemplo. Além disso, há um importante aspecto, geralmente esquecido, quando falamos sobre investimentos em ações: a mentalidade do investidor.  Nossa mentalidade como uma holding é de longo prazo, orientada para análise das companhias. Aqui, o fato de operarmos no mercado de capitais merece atenção.

2.3 Em termos gerais, podemos dizer que os investimentos no mercado de capitais podem ser “no mercado” ou “em companhias”. Os exemplos típicos de investimentos “no mercado” são os baseados em análise técnica[2]. Pense em um trend follower (seguidor de tendências). Esse tipo de investidor não se preocupa com o ativo que efetivamente compra ou vende. Ele se preocupa com a tendência, se a tendência é de compra, ele compra, se é de venda, ele vende. Por outro lado, os exemplos típicos de investimentos “em companhias” são aqueles baseados em análise fundamentalista[3].  O investidor analisa uma determinada empresa (abordagem bottom-up), avalia seu mercado, pontos fortes, posição financeira e decide investir. O preço da ação pode flutuar, mas o investidor “em companhias” não se preocupa com isso. O foco dele está na empresa, e ele acredita que, a longo prazo, o preço da ação se valorizará.

2.4 O gráfico abaixo mostra onde nos posicionamos nessa distinção entre investimentos “no mercado” e investimento “em companhias”. Investimos nas empresas, mas não somos um investidor puramente “em companhias”.  Prestamos muita atenção ao preço de uma ação.  O que nos atrai na direção do investimento “no mercado” não é a análise técnica.  É o preço das ações.

2.5 Neste ponto, podemos definir melhor o que fazemos.  O BHerman é uma holding de companhias abertas baratas.  Nós focamos principalmente no preço das ações.  A forma como olhamos para o preço das ações varia. Uma grande parte de nossa carteira segue a pesquisa apresentada em Deep Value Todo Dia no Brasil, mas alguns investimentos foram escolhidos por outros critérios.

2.6 Agora que você sabe o que é o BHerman faz, é hora de nos concentrarmos na formação do portfólio. Isso é fundamental para entender questões importantes, como valuation, due diligence e o tempo em que mantemos uma ação em carteira.

O BHerman é uma holding de companhias abertas baratas.

III. Formação de Portfólio ou “One-Night Stand, Morando Junto e Casamento”

3.1 Formar um portfólio é praticamente sinônimo de investir. Investir é formar um portfólio. Mesmo que você escolha ter apenas uma ação, você está formando um portfólio (altamente concentrado).  Os critérios para formação de um portfólio definem tudo sobre ele. Lembre-se de que o BHerman é uma holding focada no preço das companhias em que investe.  Teoricamente falando, nosso portfólio é composto por três subportfólios.  O que define cada um desses subportfólios é mais ou menos uma combinação de tese de investimento, período em que mantemos a ação e due diligence. Considerado que investir é manter um relacionamento com certas empresas, podemos definir o nome dos nossos subportfólios em termos de relacionamentos. Nossos subportfólios são: (i) one-night stand; (ii) morando junto; e (iii) casamento.

3.2 One-Night Stand.  Se você pensar em um caso na base do one-night stand, é fácil perceber que é um relacionamento simples.  Ele até pode evoluir para algo mais profundo, mas começa como algo muito simples.  O que chamamos portfólio one-night stand é a implementação da estratégia descrita em Deep Value Todo Dia no Brasil, acrescida de um certo nível de due diligence nas companhias investidas.  Em geral, isso significa investir em uma carteira altamente diversificada de ações baratas após uma revisão das demonstrações financeiros.  A due diligence é limitada e o período inicial de manutenção de cada ação na carteira é de pelo menos um ano. Após um ano, reavaliamos o portfólio e podemos ou não manter uma determinada ação.

3.3 A ideia básica por trás da estratégia de deep value é que, se investirmos sistematicamente em ações baratas, teremos retornos superiores. Os mercados reagem exageradamente a notícias, depreciando os preços de certas ações a um nível que elas se tornam barganhas.  Se você as comprar e mantiver por algum tempo, será recompensado com retornos superiores. Como os demonstrativos financeiros podem ser confusos, acreditamos que sua revisão agregará valor à estratégia (por exemplo, excluímos receitas não recorrentes de nossos cálculos).

3.4 Morando Junto. Morar junto com alguém é algo muito mais complexo do que uma aventura de uma noite. Em nossa realidade, isso significa uma tese específica (geralmente oportunista), que pode levar mais de um ano para se concretizar, e um nível mais profundo de due diligence, se comparado ao nível da due diligence no portfólio one-night stand.  Como um relacionamento mais profundo é mais difícil, a porcentagem de nossa carteira total nesse subportfólio tende a ser pequena.

3.5 Casamento. Se morar com alguém já é complexo, casar é ainda mais complexo.  O casamento é o padrão-ouro do relacionamento de longo prazo.  Em nossa analogia de portfólios, isso significa uma empresa que merece ser comprada e mantida.  Ter um investimento assim envolve muito mais do que uma tese oportunista e uma due diligence ainda mais profunda. O subportfólio casamento tende a ser extremamente limitado.  Casar é difícil!

Concentramos nossos investimentos na estratégia descrita em Deep Value Todo o Dia no Brasil, mas também podemos ter posições seguindo teses diferentes. Em todos os casos, as ações devem ser baratas. Em geral, nosso período manutenção de uma ação é de pelo menos um ano. Sempre fazemos uma revisão dos demonstrativos financeiros das empresas em que investimos.

IV. Preço – O Que É Barato E Por Que É Barato?

4.1 As perguntas acima são muito difíceis de responder.  Elas vão ao cerne do que é investir.  A realidade é que ambas as perguntas não têm uma resposta objetiva.  Em todo caso, conseguimos contornar essas perguntas.

4.2 Um dos pulos do gato em relação à pergunta sobre o que é barato é que ela pode ser respondida em termos relativos.  Por termos relativos, queremos dizer saber se algo é barato em comparação com outra coisa.  Os mercados financeiros oferecem muitas informações que podem ser usados para esse tipo de comparação.  Uma parte importante de nossa análise é baseada nas chamadas “métricas de valor”.  Aqui não é o lugar para detalhá-las, mas vamos falar de três métricas em particular: (i) preço-valor patrimonial (P/VPA); (ii) valor de liquidação; e (iii) e earnings yield.  Essas métricas dão uma ideia do que fazemos.

4.3 Preço-valor patrimonial – P/VPA. A contabilidade é uma disciplina subestimada. As informações contábeis são de extrema importância para os investidores. Os demonstrativos contábeis fornecem muitas informações úteis para aqueles que os leem. O P/VPA é a relação entre o preço de uma companhia e seu valor patrimonial. Talvez esta seja a métrica mais tradicional de todas as métricas de value investing.

4.4 Teoricamente, o valor patrimonial é o montante que resta aos acionistas após o pagamento de todos os credores.  Imagine uma ação que tenha um valor patrimonial de 10 e um preço atual de 4. O P/VPA é de 0,4.  Em tese, isso significa que, se a empresa for liquidada, os acionistas receberão um prêmio de 6.  Muito bom para ser verdade, certo? Claro!  Essa explicação simplista mostra o que é o P/VPA, não como ganhar dinheiro com ele!  Uma liquidação é muito rara. Apenas em situações muito específicas as empresas são efetivamente liquidadas.  Além disso, se uma liquidação real vier a ocorrer, a diferença entre o preço e o valor patrimonial da empresa não será tão grande.

4.5 O P/VPA como métrica faz sentido em alguns ramos, como as empresas patrimoniais imobiliárias e incorporadoras imobiliárias.  Nessas empresas, o valor dos ativos e passivos tende a refletir valores próximos aos valores correntes.  O P/VPA é útil para analisar grandes distorções de preços em indústrias onde o indicador é relevante. Por outro lado, em empresas onde os ativos intangíveis são importantes, o P/VPA tem pouca ou quase nenhuma relevância.

4.6 Valor de liquidação.  O valor de liquidação é uma forma de P/VPA.  Aqui, em vez de olhar apenas para a relação P/VPA, fazemos uma avaliação mais detalhada do que seria o valor de uma empresa se ela fosse liquidada.  Nesse tipo de análise, entre outras coisas, consideramos (i) o valor de realização de subsidiárias ou investimentos; (ii) tributos que a empresa pagaria se liquidasse seus ativos; (iii) uso de créditos fiscais; (iv) aceleração de dívidas e efeitos de covenants de dívidas em caso de liquidação da empresa; (v) além de várias outras questões. Novamente, é extremamente raro que uma empresa seja de fato liquidada, mas uma empresa negociando a um preço inferior ao seu valor de liquidação pode ser um indicador relevante de que o preço está barato.

4.7 Earnings Yield – EY.  Explicamos essa métrica em detalhes em Deep Value Todo o Dia no Brasil (ver Pilar 5 – A Métrica).  Em resumo, o EY mostra a taxa de rendimento dos ativos de uma companhia[4].  Faz sentido comprar as empresas que têm os ativos com maior rendimento.  Se os investidores buscam retornos superiores, é razoável imaginar que cedo ou tarde eles investirão em tais companhias.

4.8 Todas as métricas acima são algumas das métricas que usamos. Elas têm várias limitações! Pense em métricas como o painel de controle de um avião. As métricas fornecem muitas informações, mas muitas delas devem ser lidas em conjunto para dar informações relevantes. As métricas, se não forem analisadas em um contexto específico, podem ser extremamente enganosas.

4.9 É difícil dizer a razão de algo ser barato.  O baixo preço de uma ação pode ser bem merecido. A razão de uma ação ser barata é menos importante do que parece.  Em muitos casos, as ações são baratas por um motivo e esse motivo passará.  O difícil é comprar algo que é barato por um motivo e ganhar dinheiro com isso.  Por exemplo, em nosso subportfólio one-night stand, temos uma carteira altamente diversificada e um período de manutenção de uma ação em nosso portfólio relativamente pequeno[5].  Temos certeza de que cometemos alguns erros nessa carteira, mas a diversificação e o período limitado de manutenção são medidas de proteção contra nossos próprios erros. Quanto ao subportfólio morando junto, apenas barganhas extremas justificam o investimento.

Várias métricas podem ser usadas para escolher ações. Essas métricas devem ser vistas como o painel de controle de um avião e analisadas em conjunto. O Earnings Yield é uma métrica poderosa para uma carteira sistemática. Para identificar se algo está mais barato, é melhor esperar por situações de desconto extremo. A diversificação e períodos limitados de manutenção de uma posição são essenciais.

V. Chato, Do Contra e Tamanho não Importa (But Small is Beautifull!)

5.1 Como compramos barato, não compramos o hype. Nos últimos anos, essa abordagem significou não investir em empresas como WEG, Magazine Luiza ou Nubank. Não temos nada contra essas empresas e não fazemos nenhum juízo de valor sobre elas. Todas elas são empresas investíveis a um preço apropriado.

5.2 Tendemos a investir em empresas menos conhecidas (chatas), mas também podemos ter alguns nomes famosos. Além disso, somos agnósticos em relação ao tamanho. Investimos em large, mid e small caps. Como somos pequenos, podemos aproveitar as small caps, mas não temos preferência por nenhum valor de capitalização de mercado.

Não seguimos o hype. Tendemos a investir em empresas menos conhecidas, mas também investimos em empresas famosas. Somos agnósticos em relação ao valor de mercado (market cap).

VI. Financiamento Apenas Por Capital

6.1 Não usamos alavancagem em nossos investimentos.  O BHerman não é apenas uma holding de ações baratas, mas também é conservadoramente capitalizado.  Isso significa que não possui credores financeiros, apenas investidores[6].  Compartilhamos com nossos investidores o mesmo risco.

Não usamos alavancagem.

VII. Sempre Investido (Com Hedge Esporádico e Limitado)

7.1 Não tentamos adivinhar o melhor momento do mercado para investir, o que significa que estamos sempre investidos em ações. O que fazemos em algumas circunstâncias excepcionais é comprar alguma proteção quando achamos que o preço da proteção está barato[7]. Com o tempo, aprendemos que isso deve ser feito apenas em circunstâncias realmente excepcionais. Caso contrário, comprar puts é um desperdício de dinheiro.

O BHerman está sempre investido em ações, mas pode ter alguma proteção em circunstâncias excepcionais.

VIII. Considerações Finais – Lembre-se do Rocky Balboa

8.1 Tudo o que foi dito acima é uma descrição simplificada do que fazemos. No entanto, há algo que falta em tudo o que escrevemos.  Como nós e nossos investidores se sentem com um investimento assim?  Pode parecer uma pergunta fora de contexto, mas não é.  Investimentos são muito mais sobre psicologia do que matemática.  Não importa o quão preciso seja um modelo se o investidor entrar em pânico.

8.2 Nós nos sentimos confortáveis investindo em uma carteira altamente diversificada de empresas baratas (e em sua maioria chatas).  Investir é um jogo de longo prazo, em que a sobrevivência é fundamental. A cultura pop é subestimada como fonte de sabedoria. Concordamos plenamente com Rocky Balboa quando ele diz “Não se trata de quão forte você bate. Trata-se de quão forte você pode apanhar e continuar seguindo em frente. Quanto você pode aguentar e continuar seguindo em frente”. Minimizamos nossas chances de erro se comprarmos barato. Também minimizamos nossos riscos de due diligence se tivermos períodos de manutenção de uma posição relativamente curtos (como temos uma mentalidade de longo prazo, um ano é um período curto para nós).  Estamos em uma posição melhor para apanharmos e continuar seguindo em frente investindo dessa maneira.

8.3 O que fazer em casos de medo extremo? Bem, desta vez vamos ouvir o que Duke disse ao Rocky. “Você vai passar pelo inferno, pior do que qualquer pesadelo que você já teve. Mas quando acabar, sei que você será o único em pé. Você sabe o que precisa fazer. Faça isso”. Em tempos de crise, prepare-se para o impacto. Isso também passará.

[1] Todos os tópicos aqui, como teoria dos mercados de capitais, filosofias de investimento, métricas de valuation, contabilidade, formação de portfólio, hedge e psicologia do investidor, são extremamente simplificados neste texto. Todos esses assuntos são muito mais complexos. De qualquer forma, nosso objetivo é ser o mais simples possível para explicar o que fazemos.

[2] A análise técnica é baseada apenas em informações de mercado, principalmente o preço das ações. Se o investidor seguir a análise técnica, ele não analisará os dados contábeis de uma empresa.

[3] A análise fundamentalista é baseada na análise das demonstrações financeiras das empresas. Questões contábeis são de extrema importância para o analista fundamentalista.

[4] O que estamos dizendo aqui é uma tremenda simplificação, especialmente se retirada do contexto, que é muito mais bem explicado em Deep Value Todo o Dia no Brasil. Outra forma de se analisar o EY (Earnings Yield) é tratá-lo como um múltiplo. No entanto, preferimos utilizá-lo como uma taxa de rendimento porque, em nossa opinião, é uma maneira mais intuitiva de compreender seu significado. Sabemos que os múltiplos não existem isoladamente e que algumas empresas tendem a ter múltiplos mais altos do que outras. No entanto, essa é uma discussão que está muito além do escopo deste texto.

[5] Também temos o que chamamos de fatores de higiene, como dívida máxima e liquidez do papel.

[6] Em circunstâncias excepcionais, podemos ter pequenas posições vendidas (short positions). No entanto, observe que, nesses casos, a alavancagem é uma consequência de um investimento em vez de ser uma forma de financiamento.

[7] Basicamente, na forma de opções de venda (put options) contra o Ibovespa (o principal índice da bolsa de valores brasileira).

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